X- TEXTO COMPLEMENTAR/INTERATIVO
PESQUISADORES DO CBME BUSCAM TRATAMENTO PARA DOENÇA DE CHAGAS |
Felipe Moron |
Pesquisadores do CBME descobriram moléculas que podem bloquear a ação de uma enzima do Trypanosoma cruzi, o protozoário causador da doença de Chagas. A enzima em questão, a gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase, GAPDH, está ligada ao processo de obtenção de energia pelo parasita. O desafio, agora, é estudar uma molécula capaz de modular a atividade desse alvo e que possa se transformar em um novo fármaco.
O T. cruzi é um parasita digenético, ou seja, passa por dois hospedeiros. Após ser engolido pelo Barbeiro, um tipo de percevejo, vai para os intestinos do inseto e, sem ser digerido, sai com suas fezes.
Enquanto se alimenta, o Barbeiro deposita esse material ao lado da picada, que provoca coceira. Ao se coçar, como a pele está ferida, a vítima acaba se inoculando com o T. cruzi presente nas fezes e passa a ser o seu novo hospedeiro. No homem, o protozoário se aloja em células musculares do corpo e sofre transformações morfológicas para se adaptar a esse ambiente.
Essas transformações interferem na fisiologia do T. cruzi. Uma delas é a passagem para a fase amastigota, que se caracteriza pela perda da função de respiração de suas mitocôndrias, as fábricas de energia da célula. Para sobreviver, o parasita passa, então, a depender totalmente de um processo bioquímico conhecido como via glicolítica.
Na via glicolítica, a glicose se rompe e é transformada em piruvato. Nessa quebra, há o consumo de dois ATPs e a produção de quatro dessas moléculas, que são as fontes de energia. Portanto, a via apresenta um balanço positivo de apenas dois ATPs e é pouco eficiente. Na respiração completa, o saldo é de 38 ATPs!
Na primeira fase da pesquisa do CBME, foi identificado o gene do T. cruzi que atua nesse processo de obtenção de energia. “O trabalho começou quando os professores Glaucius Oliva e Richard Garratt receberam, por colaboração com o professor Fred Opperdoes, da Bélgica, uma cópia desse gene e a autorização para trabalhar com ele no então Instituto de Física e Química da USP de São Carlos”, conta Otávio Thiemann, pesquisador do centro. “Agora, estamos procurando bloquear a ação, na via glicolítica, da enzima produzida por ele, a GAPDH.”
Algumas moléculas, como a chalepina, extraída do jaborandi, podem se ligar à GAPDH e bloquear o processo da via glicolítica. A inibição de um processo para obtenção de energia que já é ineficiente, poderia levar o parasita à morte.
A doença de Chagas, embora descoberta pelo cientista brasileiro Carlos Chagas há quase um século, ainda não tem qualquer tratamento eficaz. Daí a importância da pesquisa básica desenvolvida pelos cientistas do CBME, considerada a primeira etapa do desenvolvimento de um novo fármaco, processo geralmente longo e complexo: uma vez conseguida a molécula com potencial uso em novo tratamento, ela passa então por algumas triagens quanto à sua toxidez, segurança e eficácia. Depois disso, é patenteada e começa então a fase de ensaios clínicos, implementada pela indústria farmacêutica.
O problema é que as empresas farmacêuticas multinacionais, que têm capital pra investimento em pesquisa e desenvolvimento, não têm programas bem estabelecidos na área de doenças endêmicas tropicais, como a doença de Chagas, ou mesmo leishmaniose, esquistossomose e malária, também estudadas no CBME.
O investimento para a introdução de um novo fármaco no mercado é estimado em US$800 milhões e o processo pode levar até 15 anos. E quando se trata de doenças tipicamente tropicais, o retorno é muito pequeno, porque a população que vai se beneficiar com o novo produto geralmente é pobre.
Uma estratégia para que possam ser desenvolvidos fármacos que atendam à demanda da população que sofre com doenças tropicais é a ampliação de programas incentivados pelo governo, por agências de fomento e em colaboração com universidades.
“No Brasil, temos diversas competências capazes de atacar esse problema, explorar alvos moleculares e descobrir moléculas capazes de interagir com eles”, afirma Adriano Andricopulo, pesquisador do CBME. “Uma molécula com alto potencial de uso terapêutico, que já tivesse passado por testes de toxicologia em modelos animais e algumas avaliações clínicas, seria um produto com maior valor agregado. Acho que assim conseguiríamos convencer as indústrias a investir na fase de desenvolvimento clínico”, completa.
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